Saturday, April 06, 2013

Metabolismo do glicogênio


A razão pela qual nosso corpo armazena glicose na forma de glicogênio é muito simples: não estamos comendo todo o tempo. Após uma refeição o nível de glicose no sangue aumenta. A glicose excedente deve ser armazenada para ser utilizada nos intervalos entre comidas, quando o seu nível cair. Ou seja, entre as refeições o nível de glicose no sangue é mantido pelo desdobramento do glicogênio previamente armazenado. Este armazenamento ocorre quase todo no fígado e nos músculos. Dez por cento do peso do fígado é feito de glicogênio (cerca de 100 gramas) e 1-2% do peso dos músculos (cerca de 400 gramas em um adulto de dimensões médias).
A síntese e o desdobramento de glicogênio no fígado e nos músculos têm pequenas diferenças. Por exemplo: no fígado se forma glicose, a partir de glicogênio,  que depois é lançada na corrente sanguínea e vai ser utilizada por outros tecidos. Já nos músculos, toda a glicose produzida a partir do glicogênio não sai; é utilizada pelo próprio músculo.

Síntese do glicogênio
A glicose proveniente dos alimentos entra no fígado pelos transportadores GLUT-2 (do inglês glucose transporter) que são canais de duas vias: por eles a glicose também pode sair do fígado. Logo após uma refeição, o nível de glicose no sangue é alto. O fígado inicia então o processo de armazenar esta glicose na forma de glicogênio.
O primeiro passo é a fosforilacão da glicose no seu carbono 6, reação mediada pela enzima glicokinase, formando glicose- 6-fosfato. A seguir, através de uma mutase, o fosfato é transferido do carbono 6 ao carbono 1 originando glicose1-fosfato. Em presença de uridina tri fosfato (UTP) por ação da enzima udp glicose pirofosforilase, a UTP origina uridina di fosfato (UDP) + fosfato inorgânico (Pi). Esta molécula de UDP se acopla a glicose1-fosfato formando UDP glicose, molécula que pode juntar-se a outras similares, formando o polímero glicogênio.
Em todas as células existe em abundancia uma proteína chamada glicogenina. A UDP-glicose se une à glicogenina perdendo o seu componente UDP. A seguinte molécula de glicose se une pelo seu carbono 1 ao carbono 4 da anterior; se trata de uma ligação alfa(1-4) glicosídica. Esta tarefa de remoção da UDP e adição de uma glicose à outra, é catalisada pela enzima glicogênio sintase, uma enzima que alonga o polímero. Nesta etapa inicial forma-se a molécula primária de glicogênio. Quando a cadeia ultrapassa 11 moléculas de glicose, entra em ação outra enzima, uma enzima ramificadora, a alfa(4-6) glicidil transferase, que corta a cadeia em uma ligação 1-4 e fixa esta parte a uma ligação 1-6. Esta operação se sucede varias vezes e o polímero glicogênio vai se assemelhando aos ramos de uma árvore. O glicogênio está pronto para ser utilizado, o que vai ocorrer quando o nível de glicose no sangue cair.

Glicogenólise
Quando diminui a concentração de glicose no sangue a enzima glicogênio fosforilase é ativada. Esta enzima separa a última molécula de glicose do glicogênio, agregando fosfato ao carbono 1, formando glicose1-fosfato. A seguir, esta enzima atua sobre a seguinte glicose e segue da mesma forma encurtando a cadeia glicose por glicose, sempre agregando fosfato e formando glicose1-fosfato. Entretanto, esta glicogênio fosforilase não atua sobre as últimas quatro moléculas de glicose previas à ligação 1-6. Em todas as cadeias de glicogênio, a enzima sempre deixa intocadas as últimas quatro moléculas de glicose presentes antes das ligações 1-6. As três glicoses, antes da ligação 1-6, são removidas por uma enzima glico transferase e fixadas à outra cadeia de quatro moléculas vizinha. Esta nova cadeia é igualmente atacada pela glicogênio fosforilase, uma vez mais deixando intocadas as quatro últimas moléculas. Alem de remover as três ultimas moléculas de glicose a glico transferase realiza outra atividade: por meio de sua função de glicosidase,  retira a última molécula de glicose do ramo, localizada na ligação alfa 1-6, sem agrega-la a nenhuma cadeia. Ou seja, a enzima na realidade se denomina alfa(1-6 ) glicosidase (4-4) transferase. Como ela não fosforila nenhuma glicose, a última molécula removida permanece como glicose, pronta pra ser utilizada. As demais moléculas de glicose1-fosfato são transformadas em glicose 6-fosfato por ação de uma enzima chamada glico fosfo mutase. Toda a glicose 6-fosfato, no fígado, rins e intestino é transformada em glicose pela enzima glicose 6-fosfatase e enviada a diferentes tecidos.
Nos músculos passa algo diferente. Os músculos não têm glicose 6-fosfatase; não convertem a glicose 6-fosfato em glicose e sim a utilizam diretamente no processo de glicólise para gerar ATP. A última molécula de glicose, removida da ligação alfa (1-6) em teoria poderia abandonar a célula. Acontece que no músculo a enzima hexo kinase atua rapidamente, fosforilando a glicose e ingressando-a no processo glicolítico.

Regulação do metabolismo do glicogênio
 Existem dois tipos de regulação: alostérica e hormonal. A regulação alostérica pode-se dar por substrato molecular ou por sinais de energia. A regulação hormonal se da através de insulina, epinefrina e glucagon.
REGULAÇÃO ALOSTERICA. Quando o nível de glicose no fígado é alto, as moléculas de glicose e glicose 6-fosfato se combinam com a glicogênio sintase estimulando-a. Alem disso, a glicose 6-fosfato ingressa na via de glicólise e ciclo de Krebs originando ATP. Tanto esta ATP elevada como as próprias moléculas de glicose e glicose 6-fosfato inibem a enzima glicogênio fosforilase, diminuindo a glicogenólise. A finalidade desta regulação é a produção e armazenamento de mais glicogênio. Quando cai o nível de glicose no sangue, na célula hepática caem os níveis de glicose e glicose 6-fosfato. A  ATP também é utilizada, resultando aumento de concentração de AMP. Deixam de funcionar os efeitos inibidores destas moléculas sobre a glicogênio fosforilase com consequente aumento da glicogenólise para produzir a glicose faltante.
Nos músculos, esta regulação alostérica é um pouco diferente. Quando a glicose sanguínea está elevada, a insulina estimula os transportadores GLUT-4 e mais glicose entra no músculo, originando mais glicose 6-fosfato, mais atividade da glicogênio sintase e mais produção de ATP. Estas moléculas também inibem a glicogênio fosforilase. Até aqui tudo idêntico ao que passa no fígado. A primeira diferença é que no músculo, a glicose elevada não inibe diretamente a glicogênio fosforilase. Outra diferença é uma enzima que existe no fígado e no músculo: a glicogênio fosforilase kinase. No fígado ela é irrelevante porém no músculo desempenha um papel importante estimulando a glicogênio fosforilase. Para trabalhar originando contrações, o músculo é ativado em sua junção neuromuscular pela acetilcolina, com despolarização do sarcolema e liberação de cálcio. Este cálcio tem muitas funções; uma delas é participar no mecanismo de contração actino-miosina. Para isso, necessita ATP. O desdobramento de ATP termina originando AMP. No músculo em ação o nível de ATP diminui e aumenta a AMP. Um nível alto de AMP significa que mais glicogenólise é necessária. A AMP passa a estimular diretamente a enzima glicogênio fosforilase kinase. Por outro lado o cálcio se liga a uma proteína chamada calmodulina. Este complexo estimula a glicogênio fosforilase kinase que por sua vez ativa a glicogênio fosforilase, originando mais glicose 6-fosfato.
REGULACAO HORMONAL. Os níveis de glicose no sangue ativam alguns sistemas hormonais. Em uma situação de estresse agudo o pâncreas secreta glucagon e a medula cortical secreta epinefrina. Como a epinefrina contém carga elétrica elevada e o glucagon  é uma molécula grande, nenhum dos dois penetra na célula hepática. Para atuar, necessitam transducir os sinais. Ambos se acoplam a receptores serpentínicos conectados a proteínas G. (No caso da epinefrina, este receptor é beta adrenérgico, mas também existem receptores alfa adrenérgicos no fígado). Uma vez estimuladas as G proteinas pelos receptores serpentínicos, suas unidades alfa perdem GDP e adquirem GTP, desprendem-se das proteínas beta e gama e se unem a unidade alfa da adenilato ciclase; ativa-se o domínio que converte ATP em cAMP e níveis altos de cAMP ativam a proteino kinase A; esta fosforila varias proteínas. Entre elas uma enzima chamada glico fosforilase kinase que por sua vez ativa a glicogênio fosforilase. Esta começa a produzir glicose 1-fosfato, originando mais produção de glicose. (Algumas enzimas são ativadas pelo acréscimo de fosfato e outras são inibidas, dependendo do sitio em que se liga o fosfato).  A enzima glicogênio sintase é inibida pela proteino kinase A, interrompendo-se a formação de glicogênio.
Numa situação sem estresse, onde os níveis de glicose no sangue estão altos, o pâncreas aumenta a secreção de insulina. Esta, através de receptores no fígado, estimula uma enzima proteína fosfatase que ativa a glicogênio sintase com inicio de produção de glicogênio. Esta mesma proteína fosfatase inibe a glicogênio fosforilase, interrompendo a glicogenólise. Alem disso, a insulina desativa a cAMP, interrompendo a formação de proteino kinase A. No músculo, a ligação da insulina com seus receptores abre os transportdores GLUT-4 e a glicose entra nas células musculares.
Quando no fígado e nos músculos os receptores alfa são estimulados se ativa a proteina G2 que ativa a fosfolipase C; esta ataca a membrana celular produzindo fosfatidil inusitol bifosfato (PIP2) que vai originar inusitol trifosfato (IP3) e diacil glicerol (DAG). O IP3 atua sobre os mecanismos de transporte de cálcio no reticulo endotélio, liberando C++. Este cálcio se acopla a proteína calmodulina, formando um complexo cálcio calmodulina  resultando a estimulacao da glico fosforilase kinase e inibição da glicogênio sintase. Portanto, inibe a síntese de glicogênio e estimula seu desdobramento. A DAG se liga a proteino kinase C e fosforila vários substratos. Quando a glicogênio sintase é fosforilada por DAG, o resultado é a sua inativação. Em resumo, a mediação da AMP e o complexo cálcio calmodulina são as principais diferenças da regulação da glicogênolise no músculo.