Sunday, December 30, 2012

Breve história do sinal nervoso - IV


Nos 70 s Erwin Neher e Bert Sakmann desenvolveram um instrumento que permitia estudar o fluxo de íons através de um único canal. Posteriormente Roderick MacKinnon conseguiu excelentes imagens em 3D que permitiram ver as estruturas dos canais iônicos.

Depois de saber como o sistema nervoso se interconecta e como os nervos transmitem os sinais, faltava saber como os sinais atravessam as sinapses. Na década de 1930 os cientistas acreditavam em duas possibilidades; os sinais se transmitiriam eletricamente, como nos axônios ou a sinalização seria química.  Nesta época, a teoria química recebeu impulso pelos trabalhos de Henry Dale e Otto Loewi. Este último coletou fluidos no coração de rãs logo após a diminuição da frequência cardíaca provocada pela estimulação de um nervo. A seguir, Loewi injetou este líquido no coração de outra rã e imediatamente o coração desta rã diminuiu sua frequência. Nenhum nervo havia sido ativado;  ficou claro que algum químico no líquido provocava a diminuição da frequência cardíaca. Dale descobriu que este químico era a acetilcolina.

Novos experimentos demonstraram que os sinais são levados através das sinapses por mensageiros químicos chamados neurotransmissores, liberados nas extremidades dos axônios.

Poe esta época, John Eccles descobriu que além do potencial de ação que se transmite através do axônio, há um sinal mais lento e menor produzidos por estímulos entrantes chamados potencial sináptico. Seriam a explicação para a “ação integradora”de Sherrington. A célula nervosa é bombardeada todo o tempo por ondas de potencial sináptico através dos seus dendritos, alguns excitantes, outros inibidores. Quando predominam os excitantes um potencial de ação se dispara ao longo do axônio. Eccles inicialmente pensou que este potencial sináptico era de natureza elétrica. Bernardo Katz demonstrou que quando a acetilcolina é liberada por um neurônio motor, ela rapidamente se espalha através das sinapses das células musculares. Ali, as moléculas de acetilcolina se unem a receptores, como uma chave a uma fechadura e neste momento provocam a abertura de canais nas membranas celulares, permitindo a entrada de íons, cuja carga elétrica origina potenciais de ação nas sinapses. Estes canais iônicos são sensíveis a moléculas químicas e são diferentes dos canais sensíveis à voltagem que desencadeiam o potencial de ação.

A seguir, novos neurotransmissores foram descobertos tais como a serotonina. Alguns são tipicamente excitantes como o glutamato, enquanto que outros são predominantemente inibidores como o GABA  (ácido gama amino  butirico). Mas é o receptor ao qual eles se fixam que determinam a excitação ou inibição e não o neurotransmissor em si. Por exemplo, o glutamato excita a maioria dos nervos e também inibe alguns poucos. Embora a sinalização através das sinapses seja predominantemente química, ao final da década de 1950 Edwin Furshpan e David Potter encontraram um exemplo de sinalização elétrica.

No cérebro a sinalização sináptica é majoritariamente química. Katz, juntamente com Julius Axelrod e Ulf Von Euler descobriram como funciona este processo. Katz descobriu que os neurotransmissores não são liberados molécula por molécula e sim em uma enxurrada de até 5000 mil moléculas contidas em pequenas vesículas que se fundem com a membrana celular do neurônio e se abrem na sinapse, despejando estes neurotransmissores. Von Euler  descobriu outro neurotransmissor, a noradrenalina, que é produzida na própria fibra nervosa e estocado nas terminais do neurônio. Axelrod descobriu que a noradrenalina liberada e não usada é reabsorvida pela célula nervosa depois que a mensagem química haja sido entregue.  

Que acontece depois que estes químicos atingem seus alvos? Arvid Carlsson, Paul Greengard e Eric Kandel mostraram como os neurotransmissores influenciam funções básicas do cérebro e como eles são afetados por doenças. Carlsson descobriu o neurotransmissor dopamina e notou que a redução de seus níveis no cérebro de animais de experimentação provoca sintomas similares aos da doença de Parkinson. Concluiu que o mal de Parkinson é causado por uma perda de dopamina em regiões do cérebro que afetam o controle de movimentos. Este mal poderia ser combatido pela administração de L-DOPA, uma substância que reforça a dopamina. Com isso levou alivio a milhões de vitimas do mal de Parkinson.

Nos anos 60 Earl Sutherland e Ed Krebs descobriram que há dois tipos de receptores para neurotransmissores. Quando se encaixam num canal e o abrem, imediatamente disparam um potencial sináptico instantâneo, tudo isso com duração de milésimos de segundos. Este tipo de receptor se chama “iônico”. O outro tipo de receptor se denomina “metabotrópico” e produz  respostas muito mais disseminadas que podem durar minutos. Greengard mostrou como a dopamina e outros neurotransmissores provocam estes efeitos sinápticos lentos. Quando a dopamina se fixa em um receptor metabotrópico, um segundo mensageiro chamado adenosina monofosfato cíclico (cAMP) é liberado no interior da celula. O cAMP ativa uma proteína (proteína kinase A ) e esta pode adicionar fosfato, e portanto ativar, a uma gama de proteínas importantes.  Greengard identificou mais de uma centena   destas moléculas  e descobriu como elas interatuam para alterar o comportamento das células.

Kandel lançou a ideia de que os nervos recordam-se de coisas devido às mudanças ocorridas nas sinapses e que a aprendizagem é o resultado do conjunto de reações provocadas pelo segundo mensageira, na maneira descrita por Greengard.

Referencias:

Doidge, N. The Brain That Changes Itself (Viking Penguin, USA, 2007).

Farndon, J. Nerve Signalling: Tracing the Wiring of Life (Nobel Prize Organization, 2009).

Illing, R.B. De la trepanación a la teoría de la neurona. (Cuadernos Mente y Cerebro, 2012)

Sunday, December 23, 2012

Breve história do sinal nervoso - III



Graças aos descobrimentos feitos até à década dos 50, tínhamos uma boa ideia de como eram os emaranhados fios de conexão do sistema nervoso. Entretanto, pouco se sabia sobre a maneira pela qual as mensagens viajavam pelo sistema. Uma nova onda de descobertas se fazia necessária.

Entre aos pioneiros desta nova linha está Charles Scott Sherrington. Revelou como o sistema nervoso coordena os movimentos. Os cientistas já estavam familiarizados com os reflexos: um estímulo provoca uma reação antes que o cérebro se de conta do que esta acontecendo. Sherrington postulou que, nos reflexos, os impulsos nervosos são coordenados para criar movimentos musculares. Esta coordenação é  parte integral do modo em que os nervos controlam o corpo. Um conjunto de sinais é transmitido por dois grupos de neurônios. Um grupo manda um sinal que estimula uma reação; outro grupo manda sinais que inibem a reação. Os neurônios motores recebem impulsos excitantes e inibitórios quando os sinais chegam dos receptores sensoriais; porém só dispara um sinal para que o músculo se contraia quando a excitação supera a inibição. A ação interconectada e continua de impulsos excitantes e inibitórios disparados pelos nervos através do corpo provocam uma resposta coordenada sem que nos demos conta. É o que Sherrington chamou de “ação integradora do sistema nervoso”.

Já em 1859 Helmut von Helmoltz havia conseguido medir o tempo em que a eletricidade se deslocava através do axônio. Parecia muito lento, 27,4 metros por segundo enquanto que em um fio condutor, viaja quase à velocidade da luz. É que a eletricidade no nervo não é como a corrente elétrica; esta é um fluxo rápido de elétrons, enquanto que ao longo do nervo, a eletricidade se move como potencial de ação,ou seja, uma diferença de carga elétrica entre o interior do nervo e seu exterior. Na década dos anos 20 os cientistas estavam seguros de que os sinais nervosos eram elétricos e de que os nervos funcionavam como fios. Edgar Adrian, Herbert Gasser e Joseph Erlander encontraram formas de ligar fios aos nervos e amplificar os sinais. Desta forma, conseguiram que o potencial de ação disparasse um som num alto-falante e também que formara um traço de luz na tela de um osciloscópio.

Adrian escutando o alto-falante, observou que os sinais nervosos são muito simples, um ruído seguido por um silencio seguido por outro ruído, outro silencio e assim por diante. E, para surpresa, um estímulo mais forte, aumentava o número de impulsos nervosos produzidos em cada segundo mas não aumentava a magnitude do impulso. Observando em osciloscópio, Gasser e Erlanger detectaram que os impulsos tinham pequenas diferenças de padrão em três tipo de fibras nervosas.O tato e o movimento muscular emitiam sinais rápidos através de fibras grossas ao passo que dor mandava sinais mais lentos através de fibras mais finas. Começava a ficar claro que os sinais nervosos são muito simples. A forma em que os nervos estão ligados é o que determinaria a natureza do sinal.

Alan Hodgkin e Andrew Huxley formularam a “hipótese iônica” para explicar como se gera o potencial de ação. Fizeram experimentos com axônios gigantes de lulas com I mm de diâmetro, o que permitia colocar fios dentro e fora do axônio. Assim, enquanto o impulso nervoso corria pelo axônio, se media a diferença de voltagem, isto é, o potencial de ação. Propuseram que ao ser estimulado o nervo, canais de íons na membrana celular se abrem permitindo que íons de sódio (carga positiva) invadam a célula criando a fase ascendente do pulso elétrico; a seguir, os íons de potássio abandonam a célula criando a fase descendente do pulso. Este potencial de ação desliza ao longo do nervo com os canais iônicos abrindo-se e fechando-se em rápida sucessão.

Referências:

 Doidge, N. The Brain That Changes Itself (Viking Penguin, USA, 2007).

Farndon, J. Nerve Signalling: Tracing the Wiring of Life (Nobel Prize Organization, 2009).

 

Wednesday, December 19, 2012

Breve história do sinal nervoso - II


 

O numero de células nervosas existente em um cérebro humano é estimado em 100 bilhões. Cada uma pode fazer até 10 mil conexões com outras. Para elucidar parte do funcionamento deste órgão tão complexo a ciência teve que dar incontáveis passos.

No século XIX os instrumentos, como o microscópio, tinham muitas limitações. Um axônio, tendo a centésima parte do diâmetro de um fio de cabelo, não podia ser visualizado com nitidez. O que os cientistas da época viam aparentava ser uma rede contínua de células nervosas emaranhadas e fusionadas entre si. Entretanto, em 1871 um anatomista italiano, Camilo Golgi, fez uma descoberta importante em seu precário laboratório. Partes de tecido nervoso mergulhado em nitrato de prata mostravam no microscópio células nervosas tingidas de negro. Pela primeira vez, células nervosas apresentavam-se como um corpo do qual se desprende um conjunto de ramos ou dendritos e uma cauda longa, o axônio. Entretanto, Golgi seguiu pensando que todas as células formavam uma rede contínua por onde fluíam os sinais em varias direções e sentidos.

Um dos primeiros pesquisadores modernos a aproveitar a descoberta de Golgi foi o espanhol Santiago Ramon y Cajal. Estudou as células nervosas de pequenos animais e, com muito talento artístico, desenhou magníficas reproduções do que viu. Interpretou que existiam interrupções entre os diferentes processos dos neurônios e que cada um formava uma unidade separada e não parte de uma rede continua. Os sinais nervosos deveriam passar de neurônio a neurônio através das interrupções como em uma corrida de relevamento. Estas interrupções mais tarde vieram a ser conhecidas com sinapses. Ramon y Cajal também notou que os axônios que se conectam a receptores sensoriais como os da visão, audição e tato se orientam ao sistema nervoso central enquanto que os axônios que desencadeiam movimentos nos músculos apontam para a periferia. Concluiu que os neurônios conduzem sinais em um único sentido, recebendo as mensagens através dos dendritos e enviando-as através dos axônios. Estes sinais viajam por caminhos particulares e seria possível traçar estes caminhos através do sistema nervoso, desde o princípio até o final do trajeto. Esta descoberta permitiu aos cientistas estabelecer que estímulos sensoriais em distintas partes do corpo estão conectados com áreas especificas do cérebro. Na metade do século XX cientistas como Wade Marshal acumularam descobertas que poderiam ser sumarizada numa figura chamada “homúnculo sensorial”, uma ilustração das áreas do corpo em proporção a extensão de cérebro necessária para processar as informações sensoriais provenientes de cada uma delas.  

Experimentos na década dos 50 mostraram que cada neurônio, de alguma forma, sabe como chegar ao seu almejado destino. Robert Sperry e outros cientistas tentaram rearranjar alguns nervos em animais, com resultados estranhos: conectando nervos traseiros à parte anterior faziam que os animais enxergassem os objetos de pernas para o ar ou caminhassem de ré. Sperry teorizou que os nervos encontravam seus caminhos atraídos por sinais químicos emitidos pelos tecidos alvos. Poucos cientistas aderiram à hipótese mesmo depois que Rita Levi-Montalcini descobriu um produto químico denominado fator de crescimento nervoso (NGF) que se comportava de acordo à hipótese . Junto com Stanley Cohen, Rita terminou por provar que o NGF, uma proteína, estimula o crescimento de conexões nervosas. As fibras nervosas crescem em direção à fonte de NGF. Este NGF pode ser produzido ao redor da fonte por muitos tipos de células, permitindo às fibras encontrar seu destino almejado, mesmo dentro da densa massa de nervos que formam o cérebro.

Referências:

 Doidge, N. The Brain That Changes Itself (Viking Penguin, USA, 2007).
Farndon, J. Nerve Signalling: Tracing the Wiring of Life (Nobel Prize Organization, 2009).

Wednesday, December 12, 2012

Breve história do sinal nervoso - I

 
BREVE HISTÓRIA DA SINALIZACAO NERVOSA-I
Pitágoras (579-496 a.C), Hipócrates(460-370 a.C.) e Platão (427-347 a.C.) consideravam o cérebro a parte mais nobre do corpo humano, ao contrario de Aristóteles (384-322 a.C.) para quem este lugar pertencia ao coração. Galeno (ca 130-200 d.C.) demonstrou que o cérebro era o órgão central da percepção. Também observou os ventrículos cerebrais e, como estas cavidades apareciam vazias, pensou que só continham algo parecido ao ar. Acreditou que tanto os nervos que partiam do cérebro como os que chegavam a ele iam parar nos ventrículos. Postulou que os nervos eram ocos e, como os vasos sanguíneos, formavam um sistema canalicular. Os movimentos musculares e as expressões emocionais partiriam dos ventrículos e seu conteúdo volátil foi denominado spiritus animalis (espírito vital). Durante séculos, esta concepção manteve-se vigente de maneira irrefutável porque a investigação anatômica no corpo humano era proibida.
Com o Renascimento se retomou a investigação. Leonardo da Vinci (1452-1519) fez os primeiros desenhos realistas dos ventrículos cerebrais. Mais tarde, Rene Descartes (1596-1650), no contexto mecanicista de sua época, concebeu o spiritus animalis como um sopro sutil proveniente dos nervos sensoriais e vertido nos ventrículos. Dai alcançariam um órgão central do cérebro, a glândula pineal, lugar onde se encontrariam o corpo, de natureza mecânica (res extensa), com a alma imaterial (res cogitans). Os impulsos de vontade da alma originariam, a partir dos ventrículos e da glândula pineal, uma corrente de spiritus animalis que se dirigiria pelos nervos motores aos músculos. Desta maneira, ao sentir calor excessivo, o um membro se afasta de forma reflexa. Descartes considerava que um sistema mecanicista que pretendia explicar os fenômenos sensoriais e motores da natureza teria necessariamente que ser muito complexo.
Giovanni Borelli (1608-1679) realizou experimentos que mostraram que o spiritus animalis não poderia ser de natureza gasosa. Concluiu que seria um líquido, o succus nerveus. Jan Swammerdam (1637-1680) refutou a teoria cartesiana de que o spiritus animalis era bombeado dos ventrículos aos músculos resultando uma contração, Mostrou que o volume muscular não aumentava durante a contração. Se o spiritus animalis. fosse líquido ou gasoso o aumento teria que acontecer. Alexander Monro (1697-1767) experimentou com vários tipos de nervos de animais vivos e não encontrou nenhum vestígio de spiritus animalis. Tal como Isaac Newton (1643-1727),  Monro sabia que um gás ou líquido não poderiam mover-se com a rapidez necessária através de túbulos com o calibre dos nervos. Newton pensou que seria a vibração dos filamentos contidos nos nervos o que provocaria a ação do spiritus animalis. Nesta época se chegaram a muitas conclusões contraditórias.O inventor do microscópio Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723) acreditou ter visto que os nervos eram realmente ocos. Luigi Galvani (1737-1798) descarregando corrente elétrica no nervo ciático de uma rã provocava contraturas musculares. Isto não provava que o spiritu animalis fosse a eletricidade porque outros estímulos químicos e mecânicas também provocavam contraturas dos músculos. Mais tarde Carlo Matteucci (1811-1868) desenvolveu um aparelho com sensibilidade suficiente para medir as correntes elétricas em um músculo. Finalmente Emil Du Bois-Reymond (1818-1896) descreveu em 1843 a corrente que percorre os nervos como consequência de um estímulo elétrico. Seis anos mais tarde demonstrou que esta corrente se produzia também por estímulos químicos. Ao longo do século XIX a qualidade dos microscópios e das preparações de amostras de tecidos foram permitindo novas descobertas. Otto Deiters (1834-1863) conseguiu ver que do corpo da célula nervosa partiam prolongações protoplasmáticas e um cilindro eixo, mais tarde denominados dendritos e axônio. Wilhelm von Waldeyer-Hartz (1836-1921) sugeriu em 1891 o nome de neurônio para este tipo de célula.
 
Extraído de:
Illing, R.B. De la trepanación a la teoría de la neurona. (Cuadernos Mente y Cerebro, 2012).