História da Atividade Física na Medicina - Cornaro
Alvise Luigi Cornaro foi um veneziano
renascentista que fez recomendações sobre estilo de vida e saúde praticamente
idênticas a da maioria dos gurus que em nossos dias se ocupam do tema. A
diferença está em que Cornaro divulgou essas ideias 500 anos antes. Digno de um
guru moderno, Cornaro sofreu uma conversão, depois de levar uma vida dissipada
cometendo toda a sorte de excessos. Arruinou sua saúde e alertado por médicos
mudou radicalmente sua conduta. Converteu-se em apostolo da vida sóbria. E’
provável que tenha vivido até aos cem anos.
Cornaro, além de receber uma herança
importante na juventude, casou-se com mulher de família rica. Falta de dinheiro
nunca foi seu problema.
Realizou estudos e elaborou projetos sobre
agricultura, arquitetura e hidráulica. Em Veneza e Pádua construiu casa,
edifícios, represas, lagunas de sedimentação, irrigação de campos de cultivo,
desvio de cursos de rios e ampliação dos limites da cidade. Também formulou
projetos urbanísticos. Além disso foi um destacado mecenas da época. Escreveu
alguns tratados sobre estes tópicos, mas não foram estes trabalhos que levaram
seu nome à posteridade.
Até aproximar-se dos quarenta anos levou uma
vida vertiginosa que, além de muito trabalho criativo, incluía constantes
festas com excessos gastronômicos e alcoólicos. Com isso, a saúde se
deteriorou, aparecendo uma constelação de anomalias como problemas ósseos,
estomacais, intestinais, além de gota e, possivelmente, diabetes. Consultou os
médicos mais importantes do seu tempo que lhe prognosticaram a morte em pouco
tempo ou um cambio radical de vida, dado ao lamentável estado de sua condição
física.
Cornaro tomou o assunto a sério e decidiu
seguir as recomendações. Não foi uma decisão fácil porque se exigia um cambio
que além de radical deveria ser prolongado, definitivo, sem retorno. Começou
por identificar os alimentos que lhe eram nocivos e seguiu fazendo uma seleção
daqueles que lhes pareciam saudáveis. Esta lista incluía peixes como dourado,
carpa e truta, além de pão, ervas, vegetais e ovos frescos. Também estavam
permitidas certas carnes: terneiro, frango, carneiro e perdiz. Vinho e leite
faziam parte. A maior novidade foi que todo o permitido deveria ser em pequenas
quantidades. Fez um propósito que se converteu em lei: levantar-se da mesa
sempre com apetite ainda suficiente para comer outra vez. A quantidade diária
de comida sólida ficou estabelecida como 350 gr acompanhada de 415 ml de vinho.
Com o passar do tempo foi diminuindo a quantidade de alimentos ingeridos e
afirmou ter chegado ao ponto de comer apenas uma gema de ovo por refeição.
A mudança não se limitou à dieta. Abrangeu
muitos aspectos da vida e mais tarde levou-o a uma reformulação do conceito da
velhice. Recomendou evitar grandes câmbios de temperatura, exposição excessiva
ao sol, frequentar ambientes deteriorados e prática de exercícios violentos.
Como forma de combater o sedentarismo indicou caminhadas e montanhismo.
Quanto a preservação da saúde mental observou
que o meio social deveria ser formado por vida familiar afetuosa, trabalho
produtivo e círculo de amizades. Do ponto de vista individual as medidas
principais seriam estimular pensamentos positivos e evitar a impetuosidade
passional.
Cornaro reformulou o conceito de velhice. Em
sua época a partir dos 60 anos a vida era tida como composta de desesperança,
fraqueza e doença. Entretanto ele se afastou do paradigma e fez da última etapa
a mais feliz. Teve tempo para dedicar-se a ler, escrever e trabalhar para o bem
público. Buscava amigos interessados em pintura, escultura, arquitetura,
matemática e agricultura. Visitava com frequência seus locais preferidos e
afirmava que muito contribuía para sua felicidade o fato de que ao voltar para
casa encontrava seus onze netos.
Deixou registradas todas as ocorrências acima
mencionadas em uma de suas obras, um texto curto intitulado “Discorsi dela Vita
Sobria”. Hoje estes pensamentos são lugares comum. Mas convêm ter em conta que
foram emitidos a mais de 500 anos.
Em mais uma coincidência com os gurus
moderno, Cornaro teve seus críticos. O mais insigne de todos foi Nietzsche,
quem em “O Crepúsculo dos Deuses” escreveu que Cornaro viu na dieta a causa de
sua longevidade, mas se equivocou. Para
Nietzsche ele teria uma predisposição genética que lhe facilitaria uma vida
longa, com um metabolismo extremamente lento, o que lhe permitia sobreviver com
uma dieta de baixo nível calórico.
Cornaro não era livre para comer muito ou pouco; sua frugalidade não era
uma vontade livre: adoecia ao comer muito. Ou seja, para Nietzsche os genes que
predispunham Cornaro a uma vida longa eram o que permitia a sua seleção de uma
dieta parca – uma exata inversão da relação causa-efeito.
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